quinta-feira, agosto 22, 2013

Regular o Ecad é só o começo

 

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16 DE AGOSTO DE 2013, 19:45 - CONHECIMENTO LIVRE - TAGS:

Como dois e dois: senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) beija as mãos da ministra da Cultura, Marta Suplicy, enquanto Roberto Carlos e Caetano Veloso espiam

Nos últimos cinco anos, o mundo da música no Brasil se dividiu em duas frentes. Uma delas defendia o compartilhamento de arquivos pela internet, pedia a atualização da Lei de Direitos Autorais e exigia fiscalização na maneira como se cobrava por execuções musicais. A outra pedia o endurecimento contra a pirataria, era contra mudanças na lei e defendia o fortalecimento dos autores – e a remuneração deles. Se a música tocasse, eles teriam de receber.

Agora essa polarização entra em uma nova fase. É que foi publicada nesta semana a Lei Nº 12.853, que regulamenta o Ecad. Ela é fruto de um longo processo, muitas brigas e um forte jogo de interesses. Mas o que muda a partir de agora?

Para responder a esta pergunta, é necessário retroceder: o que é o Ecad? O Escritório Central de Arrecadação e Distribuição é uma associação que recolhe os direitos autorais de músicas executadas no Brasil. Você tem uma rádio? Precisa pagar o Ecad. Vai dar uma festa? Também. Tem um podcast? Aham. Tem um blog e postou um vídeo de música do YouTube? Hum, há controvérsias.

Segundo a Lei de Direitos Autorais em vigor no Brasil (a 9.610, que é de 1998), o Ecad é a única instituição que pode coletar direitos autorais. O Escritório é formado por várias associações de autores que centralizam a arrecadação. Quando vai pagar os direitos autorais, a rádio não repassa o valor direto ao artista que tocou. Ela tem de pagar ao Ecad – e é o escritório que repassa para o artista.

Aí começa a burocratização. Para receber, o músico tem de ser filiado a uma das associações. E o Ecad não paga o artista exatamente conforme o número de vezes que a sua música tocou – mas, sim, por amostragem. Quem toca mais, recebe mais. Quem toca menos, recebe menos. Os artistas independentes reclamam que não recebem – ou quando recebem, ‘pinga uma moedinha’, como me disse uma vez a cantora Karina Buhr.

Mas o Ecad sabe cobrar. O escritório arrecadou no ano passado R$ 624,6 milhões (e distribuiu R$ 470,2 milhões). Eles têm sistemas avançados que detectam as músicas que tocam nas rádios através de antenas, programas que reconhecem os sons e um sistema de fiscalização que provoca sentimentos que vão de calafrios à revolta entre os produtores culturais. Fiscais já apareceram para cobrar em blocos de carnaval e até em casamentos. E, em 2011, blogueiros receberam um boleto de cobrança por terem embedado um vídeo do YouTube em seus blogs.

(Essa cobrança mais tarde foi declarada ilegal. O Google já tem um contrato com o Ecad e paga direitos autorais pelas execuções no YouTube.)

Enfim: motivos não faltaram para muita, mas muita gente, ficar descontente com o serviço prestado pelo Ecad. Quando o ex-ministro da Cultura Juca Ferreira apresentou a proposta que atualizaria a Lei de Direitos Autorais no País, a ideia era que o Ecad fosse supervisionado com a criação de um órgão governamental. Isso despertou a fúria das entidades que cuidam de direitos autorais. “O papel do estado não é inteferir numa gestão que pertence claramente à sociedade civil”, me disse Roberto Mello, presidente da Abramus, em 2010.

Em 2011, Ana de Hollanda assumiu o ministério da Cultura e deixou de lado a proposta da reforma. Naquele mesmo ano, uma onda de denúncias convenceu o Senado a instalar uma CPI para investigar o Ecad.

Um ano depois saiu o resultado da CPI: citando crimes como formação de cartel, falsidade ideológica, apropriação indébita, agiotagem e crime contra a ordem econômica, os senadores pediram o indiciamento de oito diretores do Ecad, incluindo a superintendente, Glória Braga, e Roberto Mello, da Abramus. “Dirigir o ECAD se tornou um negócio rentoso”, escreveram os senadores. “Voltado para seu próprio umbigo – e para os interesses de seus controladores e dirigentes – o Ecad transmudou-se em cartel, pernicioso para a ordem econômica brasileira, e muito distante do que reivindica a classe artística, protagonizando toda sorte de desvios e ilícitos”.

O Ecad respondeu falando em ‘exploração política’ e disse que o que processo de arrecadação segue ‘padrões internacionais’.

No relatório, os membros da CPI defenderam que a fixação de preços deveria ser feita por cada entidade e sugeriram que o Ecad e propuseram um projeto de lei para regular a atuação do escritório.

Em março deste ano, o Escritório e seis entidades ainda foram condenadadas pelo Cade a pagar uma multa milionária por formação de cartel. Além de pagar, elas não poderiam mais tabelar os valores cobrados, como era feito. E o Cade recomendou que o Ministério da Cultura supervisionasse a atuação do Ecad.

Tudo isso acelerou o processo. O projeto de lei foi aprovado pelo Senado em julho, em uma sessão que juntou figurões como Caetano Veloso e Roberto Carlos.

A proposta começa a valer oficialmente em 120 dias. Mas o que muda?

  • A partir de agora, o Ecad será fiscalizado por um órgão do governo. E terá de ser transparente em relação à distribuição da verba. A prestação de contas será feita ao Ministério da Cultura.
  • Novas associações poderão representar os artistas – mas elas terão de ser cadastradas e também fiscalizadas pelo governo.
  • As associações poderão estabelecer seus próprios preços.
  • A taxa administrativa diminuiu de 25% para 15%.
  • Se o Ecad não conseguir identificar os detentores de direitos, a verba terá de ser distribuída entre outros autores. O dinheiro não poderá ser usado, por exemplo, para cobrir rombos ou pagar prêmios.
  • E, por fim, os preços das obras terão de estar acessíveis na internet. Os autores também terão acesso ao valor total arrecadado por seu trabalho.

Procurado pela coluna, o Ecad avisa que ainda está analisando as mudanças e que não irá se pronunciar.

As mudanças resolverão os problemas? Provavelmente. Mas não garantirão que os autores recebam por seu trabalho e, ao mesmo tempo, a população tenha acesso à música de forma justa. Para atualizar o problema de remuneração e acesso a cultura no País, é preciso de uma reforma maior – a reforma da lei de direitos autorais, que está sendo revista dentro do MinC. É essa reforma que poderá garantir, por exemplo, que bens culturais podem ser usados para fins educacionais, ou que cópias e reproduções privadas não devem ser cobradas. Regulamentar o Ecad é só o começo.

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